segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Jumento é nosso irmão

Padre Antônio Viera falou:



Ele nunca foi o grande malandro da praça. Trabalha, trabalha
e graça. Ou trabalhava. Ao contrário do saltimbanco criado por
Chico Buarque, que largou a lida para ser músico, o jumento nordestino
foi mesmo é para a panela. Padre Antônio Vieira – não o dos Sermões,
mas o homônimo do interior cearense, escritor nascido em Várzea Alegre
–, denunciou o descaso em seu livro O Jumento, Nosso Irmão, de 1964.

Segundo Vieira, os animais estavam sendo substituídos por
bicicletas, motos e carros. Abandonados, eram mortos e sua carne,
servida em açougues. Começou ali uma campanha que envolveu
intelectuais, artistas e autoridades, e culminou com a fundação do
- Clube Mundial do Jumento.

Zé Clementino, Patativa do Assaré e Luiz Gonzaga adotaram
a causa. Gonzagão gravou até música: É verdade, meu senhor /
Essa estória do sertão / Padre Vieira falou / Que o jumento é nosso irmão
.

O padre ministrava cursos em que ensinava como tratar o animal.
No final, entregava diploma: “Até ontem você foi um burro, mas a
partir de hoje será um jumento”. A campanha deu resultado.
A população de jumentos aumentou, foram criadas festas e
até legislação específica.

Mas o tratamento privilegiado não durou muito. Em 2003, ano
da morte do padre, jumentos recolhidos nas estradas de
Quixeramobim, no Ceará, foram enterrados vivos.

Um ano depois, outros viraram mortadela em um frigorífico
financiado pelo Estado. Hoje quase não há mais jumentos
no sertão. Em seu lugar, uma infinidade de motos, compradas
em até 72 parcelas por consórcio.

SAIBA MAIS
O Jumento, Nosso Irmão, de Padre Antônio Viera (Freitas Bastos, 1964)

autores: Luíz Gonzaga e José Clementino

É verdade, meu senhor
Essa estória do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão

A vida desse animal
Padre Vieira escreveu
Mas na pia batismal
Ninguém sabe o nome seu
Bagre, Bó, Rodó ou Jegue
Baba, Ureche ou Oropeu
Andaluz ou Marca-hora
Breguedé ou Azulão
Alicate de Embau
Inspetor de Quarteirão

Tudo isso, minha gente
É o jumento, nosso irmão

Até pr'anunciar a hora
Seu relincho tem valor
Sertanejo fica alerta
O dandão nuca falhou
Levanta com hora e vamo
O jumento já rinchou
Bom, bom, bom

Ele tem tantas virtudes
Ninguém pode carcular
Conduzindo um ceguinho
Porta em porta a mendigar
O pobre vê, no jubaio
Um irmão pra lhe ajudar
Bom, bom, bom

E na fuga para o Egito
Quando o julgo anunciou
O jegue foi o transporte
Que levou nosso Senhor
Vosmicê fique sabendo
Que o jumento tem valor

Agora, meu patriota
Em nome do meu sertão
Acompanhe o seu vigário
Nessa terna gratidão
Receba nossa homenagem
Ao jumento, nosso irmão

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